domingo, 4 de novembro de 2012

Rumo à Bourgogne

Deixamos Amsterdam de volta a Paris, para alugar o carro com que iríamos a Borgogne e Provence. Saímos sem destino certo, mas a intenção era chegar ainda durante o dia à região. Só conseguimos, no entanto, sair às 3 da tarde, para uma viagem de mais de três horas. Pegamos chuva no caminho e pouco depois das 5h começou a escurecer - tornando nosso percurso bem menos agradável. Nós, que estávamos inicialmente ansiosos para fazer o trajeto por estradas secundárias e admirar a paisagem, logo mudamos de ideia e pegamos a A-7, uma das maiores rodovias da França. Autopista que liga Paris a toda a região centro-sul. Mas se soubéssemos o que encontraríamos em nossa primeira parada, teríamos certamente nos esforçado para sair mais cedo.
Além de alugar o carro, em Paris pretendíamos decidir o percurso de nossa viagem  em direção ao sul. O GPS nos ajudou ( mas só quando descobrirmos que a utilização do código postal pode facilitar muito a busca do trajeto). Ainda mais em Paris, onde se muda, sem se perceber, da cidade propriamente para um banlier - espécie de distrito - que tem nome diferente. Camila viajaria conosco. Depois que pegamos o carro, decidimos almoçar em Neully Sur Seine com a Carolina - que voltaria à rotina depois das férias em Amsterdam - e sua amiga Mariana. Só depois disso é que deixamos Paris.

Destino: Vèzelay

Por intuição do Ernesto depois de consultar alguns mapas, foi escolhida a cidade de Vèzelay para a parada inicial na Borgogne. Seguindo mapa e GPS, andávamos hora pela autopista, hora pela via secundária. Em determinado momento havia muita neblina. Enquanto podíamos ver, solitários vilarejos no caminho nos mostravam construções medievais. E a chuva aumentava. Com ela, uma vontade muito grande de chegar e encontrar um abrigo que nos acolhesse por aquela noite até o dia seguinte.
Eram quase 19 h quando entramos, finalmente, em Vèzelay. Logo de início seu aspecto bucólico nos impressionou, principalmente pelas construções de pedras bastante antigas. Precisámos procurar um hotel, porque, além da chuva, fazia muito frio então. No Le Compostella (depois explico esse nome) o primeiro que encontramos, não havia quarto vago; fomos ao Le Cheval Blanc – todos no pequeno centro, logo à entrada, um próximo do outro. Ali também estava lotado. E fomos a outro e mais outro...nada de encontrarmos um quarto. Voltamos-nos a uma construção que antes nos parecera um restaurante: mas era hotel também:.Le Relais de Morvam. Felizmente ali havia um único quarto. No sótão. “Oui, le Chambre Six!”- responde a proprietária à pergunta da Camila. Que alívio! Pegamos as malas e subimos por uma escada estreita até o segundo andar - elevador, nem pensar - mas o calor da acolhida já nos deixava animados. Além de um aroma delicioso que tomava conta de tudo, vindo do restaurante no térreo.


Le Chambre Six
Apesar de ser um sótão, essa única possibilidade - aparentemente, até ali - de acomodação em Vèzelay era muito especial, não só pelas circunstâncias. Com as três camas no mesmo espaço teríamos a Camila junto conosco. E isso não acontecia há muito tempo. Camas macias e muito confortáveis, cheirando a limpeza e asseio, como tudo em volta, incluindo o banheiro anexo. Além disso, a diaria de 60 Euros para tres pessoas era muito mais interessante do que na média em Paris, considerando-se a qualidade do quarto aqui.
As imensas e rústicas vigas de madeira da estrutura do prédio, que iam do chão ao teto, náo chegaram a nos incomodar, mesmo que o Ernesto, principalmente,  tenha tido que ficar sempre atento a altura delas...As vigas, na verdade, deixam o espaço mais aconchegante, além da janela de frente para a praça dos hotéis, tornando ainda mais interessante este nosso quarto. Bem, estavamos instalados.

Acomodamo-nos e nos preparávamos para dar uma volta pelas ruas próximas, já vistas ao chegarmos. Pela janelinha do sótão aberta para a rua, víamos que lá fora chovia muito. Mas as pessoas não se importavam. Dois padres saíram de batina do restaurante do hotel, onde chegou a mulher com duas crianças falantes. Os franceses, como tenho percebido, caminham com tanta naturalidade pela chuva e frio, como nós pela praia numa manhã de sol.
Quando nos preparávamos para sair, ouvimos vozes cantando na rua e fomos tentar descobrir o que eram, através da janela. Vimos uns rapazes empunhando bandeiras, com seus cânticos, e caminhando apressadamente sob a chuva. Interessante...seria uma procissão? Afinal, estamos num feriado europeu de Todos os Santos. Alguma celebração estava acontecendo. Saímos à rua e tentamos seguir o rumo que eles tomaram. Depois de perguntar um pouco, chegamos a uma imensa igreja cuja vista, logo no início da subida, já nos deixara maravilhados. Era a Basílica de Vézelay.


Faltava-nos coragem para ficar ali - nem guarda chuva tínhamos - mas a possibilidade de assistir àquele momento tão bonito e aparentemente tão especial para aquelas pessoas, nos encorajou. Não nos deixaram entrar na Basílica, porque “tudo deveria começar pelo lado de fora da igreja”, explicaram. Pois bem, na porta, tentamos nos abrigar da chuva de alguma forma e ali ficamos. De repente, começaram a chegar grupos de 10 a 20 rapazes, cantando e se posicionando em frente a igreja. Sempre com bandeiras, alguns com cajados, a maioria bastante jovem.


E os grupos, representando comunidades diferentes, foram chegando. E outro e mais outro. E dezenas deles, todos se juntando ali. E o canto foi ficando cada vez mais forte. Às vezes eles cantavam, todos, em línguas diferentes. Depois arriscavam uma coreografia, depois riam e voltavam a cantar com fervor e fé. Cada grupo, alheio a chuva e entre si muito semelhantes, trazia consigo um andor com pequena imagem da Virgem que era levada para o interior do templo enquanto o resto do grupo se instalava do lado de fora.




Aos poucos a praça foi ficando lotada. E nós, apesar de cansados, da chuva e do frio, com fome e numa condição totalmente desconfortável, encantados com o espetáculo; com todo o alegre ritual e disciplina dos jovens, com o vigor da celebração. Até que o cansaço nos venceu: decidimos voltar descendo pela mesma rua em direção ao centro. Ainda vimos outros grupos subindo, com tochas de fogo sendo levadas por alguns jovens.
Buscamos abrigo no restaurante que nos pareceu mais interessante, dos vários que se perfilavam nas calçadas da rua Saint Pierre. Assim que nos instalamos, perguntei ä maitresse - que nos pareceu a proprietária - do que se tratava a celebração. “São escoteiros. Todos os anos se reúnem aqui, vindos de varias partes da Europa e encerram  o encontro com esta celebração. E são muitos: entre 2 mil e 2.500 jovens”.
Depois de várias horas, quando já estávamos no quarto descansando, ainda podíamos ouví-los com suas vozes vibrantes, voltando da celebração.

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